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Com todos os presentes sentados em
volta duma enorme mesa retangular, o presidente da SIRJA dava início ao
contato, abrindo o que ele chamava de código. Na verdade, não havia código
algum, senão uma espécie de arenga curta em que o dirigente do grupo declarava
aberto o "canal de contato", estabelecendo que não poderia haver,
naquele canal de comunicação, interferência alguma da parte de nenhum agente. Trocando em miúdos, a gente interpretava tais
palavras como uma proibição ou barreira para o caso de uma entidade espírita que
pretendesse entrar no tal canal para ‘bagunçar o coreto”. Até aí, tudo bem...
Não seria mesmo de bom-tom um daqueles entes espíritas entrar em saracoteios
sobre a mesa em plena reunião ufológica. Afinal, reza o dito popular, cada
macaco deve ficar pendurado no seu próprio galho.
Aberto o código, um dos sensitivos,
já sob a influência do tal comandante Ashtar, começava uma cantilena enjoada
numa linguagem estranha. Não sei como é o gosto musical dos ETs, mas deve ser
coisa bem diferente do nosso gosto, porque a gente torcia para o comandante
saciar logo o seu arrebatamento canoro.
Terminada a cantoria, o Ashtar
iniciava a sua preleção que eu chamava de "chovendo no molhado",
exortando a que tomássemos cuidado com a saúde do planeta; que fôssemos
bonzinhos com o próximo; que limpássemos a mente, removendo dela os pensamentos
negativos... Enfim, o tal Sheran, na sua invariável baleba surrada, instava a
que virássemos santos, pregando coisa das quais já estávamos carecas de saber. As
suas exortações, no entanto, não surtiam efeito algum, vez que não cheguei a
ver nenhum dos membros do grupo muito preocupado com o precário estado de santidade
em que andavam.
Quando um dos presentes queria fazer
alguma pergunta ao comandante, tinha que, primeiramente, dirigir a sua pergunta
ao presidente, e só este podia dirigir-se ao Ashtar. Acho que esse cuidado
tinha a ver com algum preceito hierárquico, porque o presidente perguntava em
Português comum e, às vezes e estranhamente, alterava o teor da pergunta. O
comandante então respondia naquele Português arrastado de padre alemão tentando
falar em Português, mas respondia sempre de forma simbólica, enigmática,
metafórica, e o perguntador acabava ficando na mesma.
A coisa caminhava nesse pé, até que
um dia, numa das reuniões da Diretoria, na qual eu figurava como
Diretor-Cultural, resolvi dar uma sacudidela naquilo tudo. Não dava mais para
aturar aquela lenga-lenga vazia do tal Ashtar, as suas exortações santificantes
e as suas evidentes fugas às perguntas que lhe eram feitas. Peguei o estatuto
da SIRJA e mostrei a todos a cláusula que falava das finalidades científicas do
grupo, ocasião em que demonstrei que as tais manifestações ashtarianas estavam
a considerável distância cósmica de um processo científico sério, vez que
ficávamos ali, submetidos aos discursos do tal comandante, sem prova alguma de
que as manifestações verbais vinham mesmo dele. Sugeri então que, na próxima
reunião do grupo, colocássemos na mesa uma mãe-de-santo umbandista. Eu já tinha
essa pessoa em mente: era a minha vizinha, conhecida por Nêga, por causa da cor
da sua pele. Criatura boníssima e muito prestativa, ela, certamente, aceitaria
o meu convite a participar de um dessa reuniões na SIRJA. A minha idéia era
colocar Nêga na mesa, orientada para convocar os seus "santos" assim
que o Ashatar "baixasse" na cabeça do sensitivo. Eu cogitava que, se os guias da Nêga
comparecessem à mesa, pedindo charuto e birita em meio a "misenfis" e
saravás, ficava provado que o tal código de proteção, que era rezado no início,
não passava de um embuste. Todavia, se, por outro lado, ela desandasse naquela
cantoria ashtariana xarope, teríamos ali um indício importante sobre a real
presença do comandante ET . Ademais, como Nêga tinha uma facilidade incrível
para trazer os seus guias à Terra, ela não precisaria recorrer a recurso algum
preparatório, coisas do tipo ponto-riscado ou cantiga de atração. Aliás, convém ressaltar, Nêga era uma médium
tão eficiente, que, muitas vezes, um tal preto velho, cujo nome não me lembro e
que, com certa assiduidade, freqüentava a sua cabeça, decidia descer, sem ser
chamado, onde quer que ela estivesse, deixando-a em situação bem embaraçosa.
Certa vez — contou-me ela — o tal troço desceu na coitada quando ela estava na
fila do banco. A coisa, já de posse da
Nêga, fez a desditada mulher ficar rodopiando ali no saguão do banco, toda
torta, ante os olhares assustados dos presentes. Sorte dela é que logo apareceu
uma entendida no assunto, que fez a escafeder-se dali. Vai ver — comentei com
ela — o “santo” impertinente estava precisando de algum emprestado; quem sabe?
Enfim, a proposta que fiz de trazer
a vizinha à reunião foi rechaçada pelo presidente, e, como o seu voto era
decisório, não pude dar andamento ao projeto de verificação.
Na próxima reunião, uma surpresa me
aguardava: colocaram, na mesa de reuniões, vários copos com água. Era o que
faltava para entornar o caldo de vez... Perguntei o porquê daquilo, e o
presidente respondeu que era uma determinação do comandante Ashtar. Aí, não deu
para eu conter a gargalhada. O homem não gostou da minha reação histriônica, e
eu, pouco me importando com o seu "não gostei", ainda perguntei se,
ao final, teríamos que beber água benzida por ET. A sua resposta, àquela
altura, não podia ser outra: solicitou a minha carta de renúncia ao cargo que
eu ocupava de Diretor Cultural, solicitação que atendi prontamente, dando-lhe
as costas em busca da porta de saída, para nunca mais voltar a pôr os meus pés,
nem ali, nem em qualquer outra das trocentas entidades que, há décadas, se
ocupam de estudar os tais discos voadores e seus tripulantes, sem, no entanto,
darem um passo sequer na elucidação desse mistério. Eu procurava a verdade, e
esta não podia estar num antro de crendices e reverências a um ser estranho que
fala, fala, canta, canta, e nada esclarece. |
Cap. 6 — Ufologia — Parte 2 de 2
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