Cap. 4 — ESPIRITISMO — Parte 2 de 2

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Transcorridos quase 30 dias daquele encontro com o Esp, estando eu no convés do meu navio, ocupado em mais uma tarefa abusiva determinada pelo chefe, pintando macas de primeiros socorros, serviço que deveria ser feito por marinheiro raso e não por um enfermeiro, eis que, do navio que estava atracado a contrabordo do meu — emparelhado, como se diz no meio civil — ouço alguém chamando pelo meu nome.  Era o Gildo (nome fictício), um homossexual que entrara na Marinha junto comigo, na mesma turma de formação militar. Como ambos os navios estavam atracados lado a lado, podíamos conversar em volume normal de voz:
— Como estão as coisas por aí? — Perguntou ele.
— Para mim — respondi — nada bem. A cruz vermelha que tenho no distintivo não vale nada aqui. Eu devia estar cuidando da saúde da tripulação, e estou aqui, pintando macas.
No decorrer da conversa, Gildo, que também era marinheiro-enfermeiro, queixou-se, dizendo que o enfermeiro-chefe do “Paraná”, o navio onde ele servia e que estava ali ao lado do meu, discriminava-o por causa da sua preferência sexual. Acrescentou que conhecia o enfermeiro-chefe do meu navio e que tinha com ele excelentes relações.  E prosseguiu:
— Se você quiser trocar de navio comigo, acho que vai ser bom para mim e para você.
— Claro que quero, mas vou logo avisando que não moverei uma palha, porque é pura perda de tempo.
— Não precisa fazer nada. Deixa tudo comigo — E partiu a passos ligeiros para o interior do seu “Paraná”.
Essa conversa aconteceu de manhã, por volta das 09:00 h. Às 15:00 h, Gildo me aparece a bordo do “Paraíba”, já “de mala e cuia”, ou seja, com o seu saco de uniformes e sobraçando a sua caderneta-registro:
— A troca já foi autorizada. Pode passar na sargenteância (espécie de gerência do pessoal a bordo), pegar a sua caderneta-registro, esvaziar o armário e apresentar-se a bordo do “Paraná”. O Sargento Bonifácio (nome fictício), aquele peste que me detesta, vai gostar de recebê-lo como novo auxiliar na enfermaria do “Paraná”; ele sempre fala bem de você por ter sido o primeiro colocado na disciplina que ele ensinava no curso. Você será muito feliz lá.
Eu nem quis saber dos detalhes da troca, como é que ele havia conseguido isso. Tratei logo de me preparar para o desembarque e me apresentar a bordo do navio que estava bem ali, ao lado do meu, onde fui recebido festivamente pelo Sargento Bonifácio, que, como disse o Gildo, havia sido o meu instrutor da disciplina Higiene e Primeiros Socorros, na Escola de Aprendizes-Marinheiros onde concluí o meu curso de formação militar.
Naquele dia, fui para casa com ânimo bem diferente daquele que eu vinha experimentando há um considerável tempo. Eu não precisava mais viver em constante alerta, preocupado com as artimanhas do chefe na sua maléfica intenção de me prejudicar. Uma vez em casa, tomei uma refrescante ducha e, em seguida, na busca por roupas numa gaveta, dei com a minha gaita. Foi aí que me lembrei da negociação feita com o Esp. Vi-me obrigado a concluir que a tal entidade, inexplicavelmente, havia conseguido a minha troca de navio, e eu devia entregar a ele o meu instrumento de estimação.
Desde o dia em que eu havia feito a negociação com o Esp, eu não mais voltara a pisar no quintal da minha madrinha; de modo que cogitei de voltar lá naquele mesmo dia, para narrar a ela o feito da tal entidade. E, se assim cogitei, assim fiz, tomando o cuidado de levar comigo a minha harmônica que, agora, já não era mais minha. Lá chegando, tão logo assomei à porta da casa, vi que, por sinistra coincidência, a entidade estava sentada no mesmo local quando da minha visita anterior, e, assim que me viu, saudou-me:
— Olá, marujo! Trouxe a minha gaita?
Não me restou alternativa senão a de entregar o meu estimado instrumento, mas nem lamentei tanto, porque, segundo imaginei e planejei, na próxima viagem que eu fizesse ao Exterior, eu compraria outra igual.
Todavia, a realidade foi bem diferente: cheguei a fazer várias outras viagens a portos estrangeiros, em exercícios navais com marinhas de outros países, mas nunca conseguia comprar a gaita. Quando tinha dinheiro, não a encontrava ou esquecia de buscá-la no comércio; e quando a encontrava, não tinha dinheiro suficiente. Acabei encontrando uma igual no comércio do bairro onde eu residia, numa lojinha, quase escondida na vitrine. Mas isso só aconteceu 20 anos depois daquela negociação com o Esp.
Conforme antecipei no início deste capítulo, acredito que casos parecidos com este são do conhecimento dos leitores, e muitos destes, impressionados com os feitos dessas entidades, acabaram por aderir ao culto às mesmas, passando então a freqüentar terreiros espíritas onde prestam homenagens a tais personagens e, por aí, cometendo clamorosa afronta a Deus, pois que somente Ele é digno de adoração, conforme está bem claro em diversas passagens da Bíblia. É o homem que, na busca pela satisfação material, entrega, de forma indireta, a sua alma a Satanás. Ali, naquela entrevista com o enviado do demônio, onde se praticava aquelas negociações abjetas, estava bem claro que não era coisa do agrado de Deus. Não sei se por isso, ou por obra de Deus, logo me afastei dali, convencido de que não seria em territórios desse tipo que eu encontraria a Verdade.

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