Cap. 3 — A SEITA DO UNIVERSO EM DESENCANTO

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“As palavras verdadeiras não são agradáveis, e as agradáveis não são verdadeiras”.
Lao-Tsé

Há alguns meses, lendo um trecho da obra “O Mestre Inesquecível”, do médico psiquiatra, psicoterapeuta, escritor e Pós-graduado em Psicologia Social, Dr. Alberto Cury, foi que descobri o porquê dessa minha busca que começou lá pelos meus 22 anos de idade. No último parágrafo da página 146 do seu livro, eis o que o Dr. Cury diz:
“O que é inteligência espiritual? É a inteligência que deriva do conceito consciente ou inconsciente de que a vida humana é uma grande pergunta em busca de uma grande resposta. É a inteligência que procura o sentido da vida, mesmo quando a pessoa afirma que não crê”.
E o Dr. Cury prossegue, dizendo que “inteligência espiritual é a procura por Deus, independentemente de uma religião, no recôndito do nosso ser, para desfazer os nós do novelo da vida”.
Foi assim, portanto, movido possivelmente por essa força da inteligência espiritual, que empreendi a jornada em busca das respostas às perguntas que me inquietavam, e, nessa busca, deparei-me com um movimento que se ocupava de ler e divulgar uma coleção de livros chamada “Universo em Desencanto”. Quem me apareceu com a novidade foi o meu falecido irmão Adilson, de dois anos mais novo que eu, com quem eu, muitas vezes, debatia sobre a razão da vida, o porquê dessa coisa sem sentido do nascer, crescer, criar e morrer.
O que me atraiu primeiramente no livro nem foi tanto o seu conteúdo, mas a forma como era escrito. Imagine alguém narrando sobre um acontecimento qualquer, tendo ao seu lado alguém gravando a sua fala, para, depois, transcrever tudo o que foi gravado para texto com rigorosa fidelidade. Por aí, expressões repetidas, pleonasmos e demais vícios, inadmissíveis numa obra escrita comum, vão aparecendo no decorrer da leitura, de modo que, aos olhos daqueles leitores que desconhecem esse método de escrever conforme o que é ouvido, o texto assume certa particularidade que acaba prendendo a atenção dos que lêem a obra, ou, melhor dizendo, a coleção de livros, inicialmente, de 21 volumes. Era desse modo que os textos apareciam: o Sr. Manoel, que se dizia médium, recebia, de um tal Racional Superior, de forma supostamente telepática, as mensagens que eram então gravadas por um assistente. Depois, a gravação era digitada em textos, e estes viravam conteúdo dos livros. Vejamos o que diz sobre esse movimento a Wikipedia, a enciclopédia on line dos internautas:
Universo em Desencanto é uma obra de 1000 livros com fundamentos centrados nos conhecimentos da chamada Cultura Racional, enviadas por uma entidade denominada Racional Superior, habitante do chamado Mundo Racional. Esses ensinamentos teriam sido ditados através de seu aparelho, o Sr. Manoel Jacintho Coelho. Segundo o livro, trata-se de um conhecimento de retorno da humanidade ao seu "verdadeiro mundo de origem", o Mundo Racional, por meio da uma Energia Racional, que faria a ligação do ser humano ao Mundo Racional.
Nos livros, cuja coleção, em vez de mil, não chegou sequer a cem, não há, pelos menos nos seus primeiros volumes, nada relacionado com normas de conduta ou preceitos morais. Basta apenas ler os livros para, segundo diziam lá alguns adeptos mais adiantados nas leituras, o sujeito ser imunizado (contra o quê? Ninguém soube responder de forma precisa, senão com explicações vagas e carregadas de lacunas).
Entusiasmado com aquela novidade, em pouco tempo, lá estava eu com o meu mano, trajando calça e camiseta branca — esta, contendo propaganda da crença — perambulando em grupo com outros adeptos da seita, trajados todos do mesmo modo, com a missão de abordar os transeuntes nas ruas para exortá-las à leitura da coleção que fala duma tal de “Cultura Racional”. Na seita, não há templos nem rituais. Há apenas a obrigação de comprar os livros (sendo proibido tomá-los por empréstimo) e participar das caravanas de divulgação.
Vez que eu era ainda um calouro naquela coisa, consegui convencer o mano a emprestar-me os livros, e ele, embora relutante por causa da proibição que havia naquele movimento quanto a empréstimos dos exemplares, acabou atendendo-me, e passei então a lê-los até com alguma avidez.
Estávamos, eu e o meu irmão, cada vez mais envolvidos com a leitura daqueles livros, quando, ao ver, numa pequena nota jornalística, a notícia de que estava sendo construído um campo de pouso para discos voadores — um discódromo ou ovniporto — no sítio onde vivia o Sr. Manoel, o médiun que recebia telepaticamente aquelas mensagens, surgiu-me a idéia de visitar o lugar e, se possível, conversar com o tal Manoel.  Convite feito ao mano, convite aceito, e lá fomos a um ponto ermo do Rio de Janeiro (Estado) chamado Tinguá, onde fica o tal sítio. Àquela altura, depois de ter lido, na tal obra, uma boa quantidade de absurdos anticientífico, como, por exemplo, que a lua se inchava e se comprimia conforme a sua menstruação, eu já andava meio “pé atrás” com aquela coisa, mas, ainda assim, dispus-me a excursionar até a morada do autor Manoel.
Logo na chegada ao portão, fomos informados de que não era possível visitar aquele retiro, porque se tratava de residência particular do escritor. Diante desse argumento poderoso, não restou alternativa, senão a de iniciarmos a caminhada de retorno. Todavia, se não era possível entrar, nada nos impedia de andar em torno do sítio; e começamos então a perambular à volta do mesmo para tentar visualizar uma parte que fosse do “discódromo”. Foi aí, então, que deparei com um quadro que jogou por terra aquele meu entusiasmo que, àquela altura, já não era tanto: passarinhos... dezenas deles, presos em gaiolas. O Sr. Manoel, que se propunha a salvar as pessoas, imunizando-as contra coisas não esclarecidas, por meio da leitura dos seus livros, era um infeliz egoísta que se comprazia em ter, mais perto de si, os cânticos daquelas avezinhas cativas, criaturas de Deus, que vieram ao mundo, não para servir a alguns manoéis, mas para embelezar e musicar a Natureza. Se eu tivesse visto esse quadro deprimente na casa de um dos seguidores da seita, eu até compreenderia; mas, eu estava assistindo a isso na residência do líder.
Lastimando o tempo perdido com as baboseiras publicadas nos livros, dei fim às camisetas da seita, transformando-as em panos de chão, e tratei de convencer o mano a sair daquilo — no que, inclusive, tive sucesso — demovendo-o de permanecer naquela maluquice. Concluí logo que a Verdade não podia estar ali, convivendo com o egocentrismo e a perversidade contra animais.

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